Tuesday, July 31, 2007

Construção

Amou daquela vez como se fosse a última
Beijou sua mulher como se fosse a última
E cada filho seu como se fosse o único
E atravessou a rua com seu passo tímido
Subiu a construção como se fosse máquina
Ergueu no patamar quatro paredes sólidas
Tijolo com tijolo num desenho mágico
Seus olhos embotados de cimento e lágrima
Sentou pra descansar como se fosse sábado
Comeu feijão com arroz como se fosse um príncipe
Bebeu e soluçou como se fosse um náufrago
Dançou e gargalhou como se ouvisse música
E tropeçou no céu como se fosse um bêbado
E flutuou no ar como se fosse um pássaro
E se acabou no chão feito um pacote flácido
Agonizou no meio do passeio público
Morreu na contramão atrapalhando o tráfego

Amou daquela vez como se fosse o último
Beijou sua mulher como se fosse a única
E cada filho seu como se fosse o pródigo
E atravessou a rua com seu passo bêbado
Subiu a construção como se fosse sólido
Ergueu no patamar quatro paredes mágicas
Tijolo com tijolo num desenho lógico
Seus olhos embotados de cimento e tráfego
Sentou pra descansar como se fosse um príncipe
Comeu feijão com arroz como se fosse máquina
Dançou e gargalhou como se fosse o próximo
E tropeçou no céu como se ouvisse música
E flutuou no ar como se fosse sábado
E se acabou no chão feito um pacote tímido
Agonizou no meio do passeio náufrago
Morreu na contramão atrapalhando o público

Amou daquela vez como se fosse máquina
Beijou sua mulher como se fosse lógico
Ergueu no patamar quatro paredes flácidas
Sentou pra descansar como se fosse um pássaro
E flutuou no ar como se fosse um príncipe
E se acabou no chão feito um pacote bêbado
Morreu na contramão atrapalhando o sábado
[chico buarque de holanda]

Monday, July 30, 2007

Tristeza não tem fim, felicidade sim.

"Tristeza não tem fim, felicidade sim. A felicidade é como a gota de orvalho numa pétala de flor, brilha tranquila depois de leve oscila e cai como uma lágrima de amor. A felicidade do pobre parece a grande ilusão do carnaval: a gente trabalha o ano inteiro por um momento de sonho pra fazer a fantasia de rei ou de pirata ou jardineira pra tudo se acabar na quarta feira. Tristeza não tem fim, felicidade sim. A felicidade é como a pluma que o vento vai levando pelo ar voa tão leve mas tem a vida breve precisa que haja vento sem parar. A minha felicidade está sonhando nos olhos da minha namorada. É como esta noite passando, passando em busca da madrugada. Falem baixo, por favor prá que ela acorde alegre como o dia oferecendo beijos de amor. Tristeza não tem fim, felicidade sim".
[antonio carlos jobim & vinicius de moraes]
[dedico ao fim de semana que passei no Rio... felicidade pura!]

Tuesday, July 24, 2007

Amor é prosa, sexo é poesia.





Amor é propriedade. Sexo é posse. Amor é a lei; sexo é invasão. O amor é uma construção do desejo. Sexo não depende de nosso desejo; nosso desejo é que é tomado por ele. Ninguém se masturba por amor. Ninguém sofre com tesão. Amor e sexo, são como a palavra farmakon em grego: remédio ou veneno -- depende da quantidade ingerida.O sexo vem antes. O amor vem depois. No amor, perdemos a cabeça, deliberadamente. No sexo, a cabeça nos perde. O amor precisa do pensamento. No sexo, o pensamento atrapalha.O amor sonha com uma grande redenção. O sexo sonha com proibições; não há fantasias permitidas. O amor é o desejo de atingir a plenitude. Sexo é a vontade de se satisfazer com a finitude. O amor vive da impossibilidade -- nunca é totalmente satisfatório. O sexo pode ser, dependendo da posição adotada. O amor pode atrapalhar o sexo. Já o contrário não acontece. Existe amor com sexo, claro, mas nunca gozam juntos.O amor é mais narcisista, mesmo entrega, na "doação". Sexo é mais democrático, mesmo vivendo do egoísmo. Amor é um texto. Sexo é um esporte. Amor não exige a presença do "outro". O sexo, mesmo solitário, precisa de uma "mãozinha". Certos amores nem precisam de parceiro; florescem até na maior solidão e na saudade. Sexo, não -- é mais realista. Nesse sentido, amor é uma busca de ilusão. Sexo é uma bruta vontade de verdade. O amor vem de dentro, o sexo vem de fora. O amor vem de nós. O sexo vem dos outros. "O sexo é uma selva de epilépticos" (N. Rodrigues). O amor inventou a alma, a moral. O sexo inventou a moral também, mas do lado de fora de sua jaula, onde ele ruge.O amor tem algo de ridículo, de patético, principalmente nas grandes paixões. O sexo é mais quieto, como um caubói -- quando acaba a valentia, ele vem e come. Eles dizem: "Faça amor, não faça a guerra". Sexo quer guerra. O ódio mata o amor, mas o ódio pode acender o sexo. Amor é egoísta; sexo é altruísta. O amor quer superar a morte. No sexo, a morte está ali, nas bocas. O amor fala muito. O sexo grita, geme, ruge, mas não se explica.O sexo sempre existiu -- das cavernas do paraíso até as "saunas relax for men". Por outro lado, o amor foi inventado pelos poetas provençais do seculo XII e, depois, relançado pelo cinema americano da moral cristã. Amor é literatura. Sexo é cinema. Amor é prosa; sexo é poesia. Amor é mulher; sexo é homem -- o casamento perfeito é do travesti consigo mesmo. O amor domado protege a produção; sexo selvagem é uma ameaça ao bom funcionamento do mercado. Por isso, a única maneira de controlá-lo é programá-lo, como faz a indústria da sacanagen. O mercado programa nossas fantasias.Não há "saunas relax" para o amor, onde o sujeito entre e se apaixone. No entanto, em todo bordel, finge-se um "amorzinho" para iniciar. O amor virou um estímulo para o sexo.O problema do amor é que dura muito, já o sexo dura pouco. Amor busca uma certa "grandeza". O sexo é mais embaixo. O perigo do sexo é que você pode se apaixonar. O perigo do amor é virar amizade. Com camisinha, há "sexo seguro", mas não há camisinha para o amor.O amor sonha com a pureza. Sexo precisa do pecado. Amor é a lei. Sexo é a transgressão. Amor é o sonho dos solteiros. Sexo, o sonho dos casados.Amor precisa do medo, do desassossego. Sexo precisa da novidade, da surpresa. O grande amor só se sente na perda. O grande sexo sente-se na tomada de poder. Amor é de direita. Sexo, de esquerda -- ou não, dependendo do momento político. Atualmente, sexo é de direita. Nos anos 60, era o contrário. Sexo era revolucionário e o amor era careta.E, por aí, vamos. Sexo e amor tentam mesmo é nos fazer esquecer a morte. Ou não; sei lá...
[arnaldo jabor]

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Tuesday, July 17, 2007

Qual sua máscara de hoje?


Hoje não é dia de ser. Hoje é dia de fingir que se é. Hoje vou sair. Tenho de me preparar e vestir a condizer com aquilo que os outros esperam ver. Por isso, hoje não é dia de Ser. Hoje é dia de fingir que se é o que nunca se foi. Para agradar, para não escandalizar, para não decepcionar. Eu não queria ir pelo caminho do sonho, mas, quanto mais de mim ponho, menos faço todos sorrir. Por isso a máscara pronta está. Já se ouve a lira, e sou como num palco, a personagem que rodopia e gira.
[blue shell]

Monday, July 16, 2007


"...Um dia, porém, sentia seu corpo aberto e fino, e no fundo uma serenidade que não se podia conter, ora se desconhecendo, ora respirando trêmula de alegria, as coisas incompletas. Ela mesma insone como luz — esgazeada, fugaz, vazia, mas no íntimo um ardor que era vontade de guiar-se a uma só coisa, um interesse que fazia o coração acelerar-se sem ritmo... de súbito, como era vago viver. Tudo isso também poderia passar, a noite caindo repentinamente, a escuridão fresca sobre o dia morno".
[lispector - bonecos de barro]

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Friday, July 6, 2007

Animal





"Ela estava na restinga, o capim chegava-lhe aos tornozelos como poderia atrevidamente tocar-lhe o alto das coxas, o mar vinha na salsugem até seu corpo numa espécie de andar como o coleante andar das serpentes. Nunca vira olhar mais sensual, mais direto, mais provocador e animal do que esse olhar úmido e duro a um só tempo, cheio de desejo dela, mas sem ternura alguma: sou teu inimigo, te matarei de prazer e não terei piedade. O olhar dourado do abismo, o olhar cor-de-mel-da-paixão-puramente-animal-sem-a-menor-ternura, urgente, na restinga".

[olga savary]



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