Há cristão em abundância, nesse mundo de Deus, uma espécie de condomínio latifundiário onde o diabo é sub-síndico e, portanto, ocupa largo espaço, graças à cumplicidade ou tolerância de algumas ovelhas (certamente negras e brancas) do imenso rebanho. Crucifixo no peito é unicamente sinal externo de uma religiosidade, às vezes inexistentes ou nanica diante da grave espiritualidade inconsciente até de alguns ateus e de outros tantos agnósticos. Muita vez, abre-se o abismo entre o conhecimento das verdades arquivadas no texto sagrado e a prática coerente e compatível com esse conhecimento. Em outras palavras: a receita de um cristianismo, que eu gostaria de ver em meus semelhantes, deveria ter os ingredientes de minha maneira de ser, de minha prática de vida. Exigir dos outros o comportamento que eu NÃO tenho, ou pretender que eles façam o que eu não faço, é HIPOCRISIA, cujo climax se atinge no instante de meu julgamento, quando quero pesos e medidas diferentes utilizados no julgamento do próximo, que, a cada dia, vejo mais distante. Não apenas no Cristianismo, mas em todas as religiões, abre-se imensa distância entre piedosas ou maldosas intenções e os gestos de muitos que batem no peito, caem de joelhos, rezam, carregam andores, beijam altares, proclamam a Palavra de Jesus, Buda e Maomé e, nas horas vagas, fazem exatamente o contrário da pregação e do culto. Muitas vezes, e muito além da religiosidade ostensiva, espalhafatosa, oficial, uniformizada e ruidosa, esconde-se uma espiritualidade infinita, a tranbordar da alma onde ela se abriga discreta, humilde, simples e singela. É a alma onde a caridade não se anuncia pelo tilintar da moeda derramada da mão farisaica, nem a piedade alardeada esconde a indiferença do insensível. É a alma em que a bondade se materializa no gesto da entrega, doação, desprendimento e renúncia verdadeira. É a alma onde a fé penetra raízes profundas que a dúvida de todos os vendavais não pode arrancar. É a alma bilndada aos sentimentos menores e que não reserva espaço para a inveja,a vingança, a torpeza. É a alma que não necessita desfilar a religiosidade em carro aberto, como uma alegoria ou um estandarte. Desses cristãos e religiosos, alegra-se o diabo.
Mas, deles, Jesus Cristo - o filho de Deus - entristecido falou sem meias palavras:
"Vós pareceis justos aos homens, mas interiormente estais cheios de hipocresia e iniquidade".
[v.c. obrigado pela reflexão]