Tuesday, March 27, 2007

O que faz você feliz?


A nova campanha publicitária do Pão de Açucar não poderia ser melhor: texto e narração do magnífico poeta Arnaldo Antunes.

O que faz você feliz? A lua, a praia, o mar, uma rua, passear. Um doce, uma dança, um beijo ou goiabada com queijo? Afinal, o que faz você feliz? Chocolate, paixão, dormir cedo, acordar tarde. Arroz com feijão, matar a saudade, o aumento, a casa, o carro que você sempre quis ou são os sonhos que te fazem feliz. Dormir na rede, matar a sede, ler ou viver um romance. O que faz você feliz? Um lápis, uma letra, uma conversa boa, um cafuné, café com leite, rir a toa. Um pássaro, um parque, um chafariz ou será o choro que te faz feliz? A pausa para pensar, sentir o vento, esquecer o tempo, o céu, o sol, um som, a pessoa, um lugar.

Agora me diz: o que faz você feliz?

Friday, March 16, 2007

Espetáculo


"O salto mortal é meu número especial nesta tarde de domingo. Não tentarei o trapézio, por não saber voar sobre as cabeças que torcem para a corda arrebentar. Pensando bem, abrirei a tarde falando ao respeitável público que farei a mágica final: desaparecer sem nunca ter sido visto por ninguém".

[álvaro alves de faria]

Tuesday, March 13, 2007

Coisa tua

"Assim que vi você
logo vi que ia dar coisa
coisa feita pra durar
batendo duro no peito
até eu acabar virando
alguma coisa parecida com você
parecia ter saído de
alguma lembrança antiga
que eu nunca tinha vivido
mas ia viver um dia
alguma coisa perdida
que eu nunca tinha tido
alguma voz amiga
esquecida no meu ouvido
agora não tem mais jeito
carrego você no peito
poema na camiseta
com a tua assinatura
já nem sei se é você mesmo
ou se sou eu que virei alguma coisa tua"

[alice ruiz em parceria com walter branco]

A Mulher

"O mistério da mulher está em cada afirmação ou abstinência, na malícia das plausíveis revelações, no suborno das silenciosas palavras".
[henriqueta lisboa - poetisa que fez parte da 2º geração do Modernismo - primeira mulher da Acad. Mineira de Letras]

Sunday, March 11, 2007

A inocência do prazer

Já passou, fomos perdoados por todos os deuses do amor. Acabou, podemos ser claros como era antes, seja lá como for, alguém tentou desesperadamente sentir algo decente. Sou feliz, pois já fui julgada. Daqui pra frente, tudo é meu, então fala baixo, fala baixo e sente. Eu vou te dar um presente.

Vento novo, flores e cores. Fim do verão tropical, novos ares, novos amores. Tudo volta ao seu estado normal. Sou feliz e trago as provas nos meus olhos molhados e vejo a vida tão diferente. Eu já posso entender a inocência do prazer, então fala baixo, fala baixo e sente. Eu vou te dar um presente.

[cazuza]

Saturday, March 10, 2007

Uma mulher

"Uma mulher caminha nua pelo quarto é lenta como a luz daquela estrela. É tão secreta uma mulher que ao vê-la nua no quarto pouco se sabe dela. A cor da pele, dos pêlos, o cabelo, o modo de pisar, algumas marcas, a curva arredondada de suas ancasa, parte onde a carne é mais branca. Uma mulher é feita de mistérios, tudo se esconde: os sonhos, as axilas, a vagina. Ela envelhece e esconde uma menina que permanece onde ela está Agora o homem que descobre uma mulher será sempre o primeiro a ver a aurora".
[hilda hilst]

Thursday, March 8, 2007

Silêncio que tudo diz...

"Ouve-me. Ouve o meu silêncio. O que falo nunca é o que falo e sim outra coisa. Capta essa outra coisa de que na verdade falo, porque eu mesma não posso. Lê a energia que está no meu silêncio."
[lispector]

Wednesday, March 7, 2007

Adeus

Já gastamos as palavras pela rua, meu amor, e o que nos ficou não chega para afastar o frio de quatro paredes. Gastamos tudo menos o silêncio. Gastamos os olhos com o sal das lágrimas, gastamos as mão à força de as apertarmos, gastamos o relógio e as pedras das esquinas em esperas inúteis. Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada. Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro! Era como se todas as coisas fossem minhas: quanto mais te dava mais tinha para te dar. Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes! e eu acreditava. Acreditava, porque ao teu lado todas as coisas eram possíveis. Mas isso era no tempo dos segredos, no tempo em que o teu corpo era um aquário, no tempo em que os meus olhos eram peixes verdes. Hoje são apenas os meus olhos. É pouco, mas é verdade, uns olhos como todos os outros. Já gastamos as palavras. Quando agora digo: meu amor..., já se não passa absolutamente nada. E no entanto, antes das palavras gastas, tenho a certeza de que todas as coisas estremeciam só de murmurar o teu nome no silêncio do meu coração. Não temos já nada para dar. Dentro de ti não há nada que me peça água. O passado é inútil como um trapo. E já te disse: as palavras estão gastas.

Adeus.

[Os versos acima foram extraídos do livro "Poemas 1945 - 1965", 3ª edição, 1971. - Eugenio de Andrade - Poeta Português]

Thursday, March 1, 2007


Algumas pessoas me perguntaram de onde surgiu o nome NAVALHA NA CARNE. Bom, foi inspirado numa peça teatral de Plinio Marcos, autor maldito de assuntos malditos como homossexualismo, marginalidade, prostituição e violência. Plínio Marcos foi um dos primeiros a retratar a vida dos submundos de São Paulo. É o João Antônio do teatro brasileiro. Nunca cedeu. Impôs, sempre, sua verve sem hipocrisias. Direta, forte e sem arestas. Era, segundo ele mesmo afirmava, "figurinha difícil". Foi, entre as coisas que dele se sabe, dramaturgo, ator, jornalista, tarólogo, camelô de seus próprios livros, técnico da extinta TV Tupi, jogador de futebol e palhaço. Nasceu em Santos (SP) em 29 de setembro de 1935 e morreu em São Paulo (SP) a 19 de novembro de 1999. Depois de tentar tornar-se jogador de futebol e de trabalhar como palhaço de circo por cinco anos, escreveu, aos 22 anos, sua primeira peça, "Barrela".

O Sub-título HÁ UMA GOTA DE SANGUE EM CADA POEMA é um livro de Mário de Andrade. Escritor que nasceu no 9 de outubro, filho de Carlos Augusto de Moraes Andrade e Maria Luísa Leite Moraes Andrade; na Rua Aurora, 320, em São Paulo - SP. Para descrevê-lo, ninguém melhor que ele próprio: como eu sou um escritor difícil, que a muita gente enquisila, porém essa culpa é fácil de se acabar de uma vez: e só tirar a cortina que entra luz nesta escuridez [a costela de grão cão].
Coisas belas e sujas compôem meu blog, da união que fiz entre esses dois grandes talentos brasileiros.
Beijos doces!